quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Como funcionam as railguns?

por Bill Harris - traduzido por HowStuffWorks Brasil

Introdução

Há muito tempo, a pólvora é o propulsor preferido na hora de lançar um projétil com uma arma. Porém, esse fino pó acinzentado tem três grandes limitações:
  • a pólvora deve ser transportada junto com o projétil, o que deixa o conjunto todo mais pesado;
  • as munições que utilizam pólvora são muito voláteis e difíceis de manusear e transportar;
  • a velocidade dos projéteis impulsionados por pólvora ao saírem da arma costuma ser limitada a cerca de 1.219 metros por segundo.


Foto cedida por Sam Barros, da PowerLabs
Mas dá para superar essas limitações? Uma solução é a railgun eletromagnética ou apenas railgun. Por meio do uso de um campo magnético alimentado por eletricidade, uma railgun pode acelerar um projétil a uma velocidade de até 16 mil metros por segundo, e, enquanto o alcance máximo das armas usadas pela Marinha é de aproximadamente 19 km, as railguns conseguem atingir um alvo a 400 km de distância em seis minutos.
Neste artigo, falaremos sobre como funcionam as railguns, como elas podem ser usadas e quais são as limitações desse tipo de tecnologia.

Princípios básicos sobre as railguns

Basicamente, uma railgun é um grande circuito elétrico composto por três partes: uma fonte de energia, um par de trilhos (rails, em inglês, daí o nome "railgun") paralelos e uma armação móvel. Vamos dar uma olhada mais detalhada em cada uma dessas partes.

A fonte de alimentação não é nada mais do que uma fonte de corrente elétrica. Normalmente, a corrente usada em railguns de calibres médios a grandes fica na faixa dos milhares de ampères. 

Os trilhos são extensões de metal condutivo, como o cobre, que podem ter de 1 a 9 metros de comprimento.
A armação é a responsável por unir os trilhos e pode ser feita com um pedaço maciço de metal condutivo ou uma armadura (um recipiente que abriga um dardo ou qualquer outro projétil) condutiva.. Algumas railguns usam uma armação de plasma. Nesse caso, uma fina lâmina de metal é colocada na parte traseira de um projétil não condutivo. Quando a energia passa por essa lâmina, ela evapora e se torna plasma, que transporta a corrente.
Veja como todas as peças funcionam juntas:
Uma corrente elétrica flui do terminal positivo da fonte de alimentação, passa pelo trilho positivo, atravessa a armação e volta pelo trilho negativo até a fonte de alimentação.



Quando a corrente passa por um fio cria um campo magnético ao seu redor, que é a região na qual a força magnética pode ser sentida. Esta força tem magnitude e sentido. Em uma railgun, os dois trilhos funcionam como fios, com um campo magnético circulando ao redor de cada um. As linhas de força do campo magnético se distribuem em círculos no sentido anti-horário ao redor do trilho positivo e no sentido horário ao redor do trilho negativo. O campo magnético resultante entre os dois trilhos tem uma direção vertical.
Assim como um fio carregado em um campo elétrico, o projétil sente uma força conhecida como força de Lorentz, em homenagem ao físico holandês Hendrik A. Lorentz. Essa força de Lorentz é perpendicular ao campo magnético e à direção da corrente que passa pela armação. Você pode ver como isso funciona no diagrama abaixo.


Repare que a força de Lorentz é paralela aos trilhos e age afastando o projétil da fonte de alimentação. A magnitude da força é determinada pela equação F = (i)(L)(B), na qual F é a força resultante, i é a corrente, L é a extensão dos trilhos e B é o campo magnético. De acordo com a equação, para aumentar a força basta aumentar a extensão dos trilhos ou a quantidade da corrente.
Como trilhos longos criam problemas no design, a maioria das railguns usa correntes fortes (da ordem de milhões de ampères) para gerar grandes quantidades de força. O projétil, sob o efeito da força de Lorentz, acelera até o final dos trilhos, no sentido oposto ao da fonte de alimentação, e sai pela abertura. Então, o circuito é quebrado e encerra o fluxo da corrente.

Roubando energia
As railguns precisam de correntes enormes para disparar projéteis a velocidades de Mach 5 ou até mais altas. Mas isso é um problema para os navios de guerra tradicionais, porque não é possível tirar a energia do sistema de propulsão da embarcação. Já na próxima geração de navios de guerra, o DD(X) totalmente elétrico, a produção desse tipo de corrente será possível. Para disparar o projétil utilizando uma railgun, a energia teria de ser desviada do motor do navio para a torre de canhão, que dispararia até seis unidades por minuto, pelo tempo que fosse necessário e, então, a energia seria desviada de volta ao motor.

Os problemas com as railguns

Na teoria, as railguns são a solução perfeita tanto para as armas de curto como de longo alcance. Na prática, porém, elas ainda têm sérios problemas:
  • fonte de alimentação: gerar a energia necessária para acelerar os projéteis da railgun é um grande desafio, fazendo que capacitores tenham de armazenar carga elétrica até que uma corrente grande o bastante possa ser acumulada. Embora seja possível ter capacitores pequenos em alguns equipamentos, os usados em railguns ocupam vários metros cúbicos;
  • aquecimento resistivo: quando uma corrente elétrica passa por um condutor, ela encontra resistência nesse material (em nosso caso, os trilhos). Ou seja, a corrente excita as moléculas dos trilhos e faz com que eles se aqueçam. No caso das railguns, esse efeito gera um calor muito intenso;
  • fundição: a alta velocidade da armação e o calor causado pela resistência elétrica danificam a superfície dos trilhos;
  • repulsão: a corrente em cada um dos trilhos da railgun corre em sentidos opostos, o que cria uma força de repulsão, proporcional à corrente, que tende a empurrar os trilhos um para longe do outro. Como as correntes que passam pela railgun são grandes, a repulsão que existe entre os dois trilhos é significativa. O desgaste é um verdadeiro problema nesse tipo de arma. Várias quebram após serem utilizadas algumas vezes e outras só podem ser usadas uma única vez.


Railguns x canhões de Gauss


Foto cedida por Sam Barros, da PowerLabs

Um canhão de Gauss ou coilgun é um lançador eletromagnético que tem algumas vantagens em relação às railguns. O "cano" de um canhão de Gauss é uma série de anéis de cobre, que são energizados em seqüência e determinam um campo magnético móvel dentro desse cano. Enquanto faz isso, o campo magnético atrai um projétil ferromagnético pelo cano. Como o projétil de um canhão de Gauss flutua no cano sem nunca tocar os anéis, o desgaste é menor nesse tipo de arma, além de ser completamente silenciosa. Já foi demonstrado que canhões de Gauss podem atingir velocidades supersônicas, mas eles não são tão eficientes quanto as railguns.

Usos da railgun

Por ser uma alternativa às armas atuais, as railguns são particularmente interessantes para as forças armadas. A munição dessas novas armas, na forma de pequenos mísseis de tungstênio, seria relativamente leve e fácil de transportar e manusear. Em razão das altas velocidades, os mísseis disparados pelas railguns estariam menos suscetíveis ao efeito da gravidade e às mudanças de vento do que as munições usadas atualmente. É claro que a correção de curso ainda seria importante, mas todos os mísseis disparados seriam guiados por satélite. Outro desafio, porém, é projetar railguns de pequeno porte, principalmente em razão dos "trancos", que são os movimentos que a arma faz na direção oposta à da bala e são determinados pelo momento do projétil liberado. Para saber o momento, temos de multiplicar a massa do projétil por sua velocidade, que, nesse caso, seria bem alta. A solução talvez esteja em uma arma que dispare balas bem pequenas, já que elas diminuiriam o tranco mas ainda teriam energia cinética suficiente para infligir danos consideráveis.


Foto cedida ONR
Desenho artístico de um porta-aviões da Marinha americana
equipado com uma railgun
As railguns também foram sugeridas como componentes importantes da Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecida como Guerra nas Estrelas, que é um programa do governo americano responsável pela pesquisa e desenvolvimento de um sistema espacial de defesa nacional contra ataques de mísseis balísticos estratégicos. Nesse contexto, as railguns poderiam disparar projéteis para interceptar os mísseis de outros países. Alguns cientistas afirmam que essas armas seriam capazes até de proteger a Terra contra asteróides vindos em nossa direção, permitindo que lançássemos projéteis de alta velocidade a partir de algum ponto de nossa órbita. Com o impacto, ou os asteróides seriam destruídos ou teriam sua trajetória alterada.
Mas não pense que as railguns possuem somente usos militares. Um exemplo de uso não militar seria o uso em lançamentos de satélites ou ônibus espaciais para a parte superior da atmosfera, ponto em que foguetes auxiliares entrariam em ação. Já em locais sem atmosfera, como a Lua, essas armas poderiam mandar os projéteis para o espaço sem nenhuma necessidade de propulsores químicos, que precisam de ar para funcionar.


Foto cedida Centro de Informação Visual de Defesa do Departamento de Defesa dos EUA
Desenho artístico da interceptação e destruição de veículos transportando armas nucleares por uma railgun posicionada no espaço
As railguns também poderiam ser usadas para iniciar reações de fusão. Essa reação ocorre quando dois núcleos atômicos pequenos se combinam para formar um núcleo maior. Esse é um processo que libera grandes quantidades de energia, mas que para que possa ocorrer, os núcleos atômicos devem estar viajando a velocidades enormes. O que alguns cientistas propõem é o uso de railguns para disparar projéteis de materiais fundíveis uns contra os outros, resultando em um impacto que criaria temperaturas e pressões imensas, permitindo que a fusão ocorresse.
No entanto, o fato é que muitas dessas aplicações ainda não saíram do mundo da teoria, experimentos e desenvolvimento. As railguns atuais não geram quantidades suficientes de energia para permitir, por exemplo, que a fusão nuclear ocorra e, além disso, será muito difícil um navio de guerra totalmente elétrico conseguir disparar projéteis com uma railgun antes de 2015.
Mesmo assim, a tecnologia é promissora. Em 2003, o Ministro da Defesa do Reino Unido organizou um teste em escala de 1 para 8, no qual uma railgun eletromagnética atingiu uma velocidade de Mach 6 no momento em que o projétil saiu da arma, algo em torno de 2.040 metros por segundo!
Se sucessos como esse continuarem, pode ser que um dia a railgun seja a arma principal no campo de batalha e o propulsor principal na plataforma de lançamento.
Para mais informações sobre railguns e assuntos relacionados, verifique os links na próxima página.


A ciência por trás da ficção


Foto cedida HowStuffWorks Shopper

Se você leu o texto e ficou se perguntando: onde foi que eu vi isso antes? É porque já deve ter visto armas baseadas em princípios semelhantes mostradas na cultura popular. No livro de Robert Heinlein, Revolta na Lua, colonizadores da Lua que lutam por sua independência usam um lançador eletromagnético para disparar contêineres de ferro cheio de rochas contra a Terra. E no filme "Queima de arquivo," Arnold Schwarzenegger atua como um agente do Serviço de Proteção às Testemunhas que se vê no meio de um plano secreto do governo para vender railguns a terroristas. Na série "Battlestar Galactica", uma das naves de guerra possui railguns que usam tanto tecnologias eletromagnéticas como convencionais.
E como se os exemplos acima já não fossem o bastante, saiba que essas armas já "deram as caras" até nos jogos eletrônicos: "Quake", "Metal Gear Solid" e "Red Faction" possuem esse tipo de arma.

fonte:uol
 

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